Acre



Estado Independente do Acre
   

As primeiras correntes migratórias se dirigem para os vales do Purus e do Tarauacá, no rastro da descoberta da borracha no século XIX, pelo homem branco. A presença de brasileiros na região - que, conforme estipulavam os tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), integrava a Bolívia atual - implicou na elaboração de outro acordo, entre o Brasil e a Bolívia. Foi o Tratado de Ayacucho de 1867 que fixou a fronteira entre os dois países pela confluência dos rios Beni-Mamoré, no rumo do Leste - uma linha de demarcação ainda pouco definida.

A grande seca de 1877-79 no Nordeste provoca a fuga sucessiva de nordestinos, principalmente cearenses, para o Acre, em busca de terras para plantar. Já em 1890 após a nova seca de 1888-89, portanto, extensas faixas do território acreano são ocupadas por imigrantes brasileiros, burlando o Tratado de Ayacucho. Em 1895 foi nomeada uma Comissão Demarcatória encarregada de definir os limites entre Brasil e Bolívia de acordo com o estabelecido no Tratado de Ayacucho de 1867. O Chefe da delegação Brasileira, o Cel. Thaumaturgo de Azevedo constatou que ratificando o Tratado existente o Brasil perderia vasta região rica em látex. Na época o Ministro brasileiro não aceitou os argumentos do Cel. Thaumaturgo, que pediu demissão e na imprensa mobilizou a opinião nacional. O novo Comissário capitão-tenente Cunha Gomes obedeceu a Chancelaria e aceitou os termos do velho tratado.

O governo boliviano enviou para o Alto Acre uma expedição militar de 30 praças, comandada pelo Major Benigno Gamarra. Com inúmeras dificuldades (fome, etc.) em setembro de 1898 a expedição conseguiu chegar à vila de Xapuri, onde anunciou que fundaria uma Delegação Nacional. Insatisfeitos, alguns brasileiros, tendo à frente o Coronel da Guarda Nacional Manuel Felício Maciel, intimaram aos bolivianos que se retirassem imediatamente dali, o que acabou ocorrendo no dia 30 de novembro de 1898.

Em 02 de janeiro de 1899 chegou ao Acre, por via fluvial, com a concordância do governo brasileiro, o ministro Plenipotenciário Boliviano Dom José Paravicini que efetivamente instalou uma aduana e um povoado denominado Puerto Alonso, em terras do Seringal Caquetá, pouco acima da famosa Linha Cunha Gomes. Paravicini baixou sucessivos decretos, dentre os quais, o polêmico ato de abertura dos rios amazônicos ao comércio internacional, que feria profundamente a soberania brasileira. Arrecadou grandes somas com os impostos sobre a borracha, exigiu a imediata demarcação dos seringais e a regularização das propriedades, até então registradas no Estado do Amazonas, causando temor aos habitantes dos altos rios acreanos.

A revolta começava a tomar corpo entre seringueiros brasileiros que não se conformavam em ter que obedecer a autoridades estrangeiras, enquanto multiplicavam-se as denúncias de violências cometidas contra brasileiros que se sentiam cada vez mais ameaçados em seus direitos. Com a partida do ministro boliviano para Belém, depois dos chamados “Cem dias de Paravicini”, os acreanos decidiram se unir para lutar contra a dominação boliviana. Em 1º de maio de 1899 seringalistas reunidos no Seringal Bom Destino, de Joaquim Vitor, sob a liderança do jornalista José Carvalho decidiram que era chegada a hora de expulsar o delegado boliviano, Moisés Santivanez, que havia substituído Paravicini no comando de Puerto Alonso. Intimadas, as autoridades bolivianas não resistiram ao movimento revolucionário e partiram para Manaus. Mesmo sem o disparo de um tiro, estava iniciada oficialmente a Revolução Acreana com a assinatura de um manifesto por mais de 60 proprietários de seringais. Para dar direção ao movimento foi estabelecida uma Junta Central Revolucionária.

Pouco tempo depois, José Carvalho retornou para Manaus doente de impaludismo. Luis Galvez, então repórter em Belém, descobriu e denunciou nos jornais paraenses (03/06/1899) a existência de um acordo secreto estabelecido preliminarmente entre diplomatas da Bolívia e dos Estados Unidos da América, que formalizava uma aliança entre os dois países. Em caso de guerra entre o Brasil e a Bolívia pelo domínio do Acre, os Estados Unidos apoiaria militarmente a Bolívia.

Isso chocou a opinião publica brasileira, apesar das autoridades bolivianas e norte-americanas negarem estas denúncias. Com patrocínio do Governo do Amazonas, Galvez viajou ao Acre e com os seringalistas funda o Estado Independente do Acre, já que o governo brasileiro continuava reconhecendo os direitos bolivianos sobre o Acre.

Em 14 de julho de 1899 (aniversário da Queda da Bastilha), foi criado o Estado Independente do Acre, com capital na Cidade do Acre (como passou a ser chamada Puerto Alonso) e Luiz Galvez foi escolhido, por aclamação, como Presidente do novo país.

.Não foi bem da maneira que conta Márcio Souza no divertido Galvez, Imperador do Acre. O espanhol proclamou uma república independente e, para forçar o reconhecimento internacional e poder passar a cobrar taxas de exportação da borracha, promoveu um boicote da venda deste produto. No dia seguinte, pelo decreto nº 1, de 15 de julho de 1899, Luiz Galvez Rodrigues de Arias, chefe do governo provisório, proclama a independência do Estado do Acre e cria o Estado Independente do Acre. Logo Galvez organizou internamente o Acre e inúmeras correspondências foram expedidas para diversos países da Europa e da América para obter o reconhecimento internacional do novo país.

Galvez organizou o novo país em diversos aspectos: saúde, educação, forças armadas, legislação, etc. Criou a bandeira, o hino, as armas. Baixou 27 decretos, parte destas leis, avançadas para a época, prejudicavam interesses de alguns seringalistas. Pelo decreto nº 15, Galvez organiza os correios e, encomenda à Casa Impressora Monckes, de Buenos Aires, a confecção de diversos selos com valores diferentes.

Em 2009, o texto de Evaldo Ferreira, no site Tarauacá Noticias, citava: Você pagaria US$ 5 mil por um pequeno pedaço de papel de 2,5 x 3,5 cm? Não? Pois saiba que existe gente que pagaria até mais para ter a posse do selo mais raro do Brasil e um dos mais raros do mundo, o Selo do Acre, do qual, 101 anos depois de sua exígua circulação, restam apenas seis exemplares, segundo um dos seus possuidores, o empresário Joaquim Marinho, de Manaus. Impresso em amarelo, com centro verde, tem no medalhão a reprodução de um arbusto, que tanto pode ser de tabaco, de café ou de uma seringueira (o desenho não é dos mais esclarecedores). Vem encimado pela estrela solitária, que até hoje identifica o Acre. Do lado esquerdo, a reprodução de uma casa de caboclo, de palha, e, do lado direito, uma tartaruga, estranhamente, apoiando-se numa só pata e olhando para o alto. A tartaruga em pé, por muito tempo uma incógnita, é, na verdade, uma metáfora para designar a revolução dos lentos. O Acre se levanta de seu tempo ancestral olhando as estrelas de um novo século. Na parte superior do selo o ano da emissão, 1899, e a palavra Correio, na posterior, 300 réis. Um círculo duplo cerca o medalhão central com os dizeres "Estado Independente do Acre", no alto e "Pátria e Liberdade", em baixo. A denteação é 10 1/4 e o processo de impressão usado foi o da litografia em papel linho. Ainda sobre a impressão feita na Argentina. Galvez morou vários anos lá, onde trabalhou no serviço diplomático. A confecção dos selos foi de responsabilidade da Casa Impressora Monckes, de Buenos Aires, onde foram impressos 50.000 selos em folhas com 50 exemplares, despachados para o Acre, via Manaus, e apreendidos por uma canhoneira brasileira que, após a saída de Galvez, dirigia-se ao Acre para contornar a situação. Os selos foram incinerados, sobrando apenas uma folha de 50 exemplares que havia sido enviada a Galvez como prova. Acredita-se que estas provas foram distribuídas por ele entre os amigos. Em 1978 Marinho viajou até Buenos Aires para pesquisar junto à Casa Monckes, mas esta não existia mais.

É sabido que todos os selos foram destruídos, porém, são conhecidos alguns exemplares remanescentes de uma única folha que havia sido enviada como amostra. Existe um único múltiplo conhecido, tratando-se de um par horizontal.

A oposição, liderada pelo seringalista Antônio de Souza Braga, depôs Galvez no dia 28 de dezembro de 1899, tornando-se o novo Presidente do Acre. Incompetente, Braga chamou de volta Galvez, que assumiu novamente a Presidência no dia 30 de janeiro de 1900.

O governo federal mandou para o Acre uma força tarefa da marinha brasileira para destituir Galvez e devolver o Acre ao domínio boliviano. Isto aconteceu, sem resistência, no dia 15 de março de 1900.

Os boatos tornam-se realidade, em 11 de julho de 1901 a Bolívia assina um contrato de arrendamento do Acre com um sindicato formado por capitalistas norte-americanos e ingleses, liderados por Whitridge. Logo depois chegou ao Acre D. Lino Romero, autoridade boliviana encarregada de preparar o Acre para o sindicato, que seria instalado em 2 de abril de 1902.

Após esta enorme bomba, ameaça concreta à soberania brasileira sobre a Amazônia, o governo começa a tomar ciência, mas sem eficiência. O Governo Campos Sales (1898/1902) não quis envolver-se na questão do Acre, pois tinha outras prioridades, tais como estabelecer conversações com os bancos credores e tentar negociar uma saída para a questão da dívida interna e a concessão de um empréstimo no valor de 10 milhões de libras esterlinas, a ser utilizado para o pagamento dos juros da dívida externa brasileira nos três anos seguintes.

Ficou a cargo do Governo do Amazonas patrocinar a revolução acreana, para o comando desta revolução foi chamado o gaúcho José Plácido de Castro (1873-1908), um agrimensor estabelecido há alguns anos na região. Com alguns seringalistas começou a luta no dia 6 de agosto de 1902, em Xapuri. No dia 24 de janeiro os bolivianos são vencidos e Puerto Alonso tornou-se Porto Acre. O objetivo era a anexação ao Brasil, mas o Acre permaneceu num primeiro momento como território independente. E o Brasil, o reconheceu como região em conflito.

O Exército brasileiro controlava parte do território e Plácido de Castro controlava sua porção mais ocidental. Nesse mesmo ano porem o Exército desarmou Plácido de Castro. Como afirma o historiador Antonio Alves, presidente da Fundação Elias Mansour (que faz as vezes de secretaria de cultura do estado): “Um estado que tinha o segundo produto de exportação, com um líder carismático, um exército autônomo, um povo em armas, era muito perigoso para o Brasil”.

Paralelamente, o Barão do Rio Branco negocia o Tratado de Petrópolis, pelo qual a Bolívia reconheceu a soberania brasileira sobre o Acre em troca de alguns milhares de libras esterlinas e da promessa de construção de uma ferrovia que possibilitaria a saída dos produtos bolivianos pelo Atlântico. Plácido de Castro é assassinado poucos anos depois. Mas temeroso daquele povo em armas, o governo brasileiro criou a figura esdrúxula do território para enquadrar o Acre. Prossegue Antonio Alves: “O Brasil é uma república federativa, é a união dos estados da federação. Mas cria-se um território que não é estado. Ele pertence e é administrado pelo conjunto dos outros estados e passa a ser governado por interventores federais. Isso cria na população um sentimento de revolta“. Neste longo período sem autonomia, o Acre só vai se tornar estado em 1962, foi criado um sentimento oposicionista na população, que às vezes ganhava até um tom meio separatista”.

Em 1913, com a introdução no mercado da borracha plantada pelos ingleses na Malásia, o preço da borracha amazônica despencou e o Acre começou a viver um longo período de decadência econômica, período esse brevemente interrompido durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos se foram, mas os seringueiros que ficaram obtêm a permissão para plantar (atividade proibida no auge da borracha). Começou a haver agricultura. Também outras riquezas da floresta passam a ser exploradas, como: castanha, madeira, pele de animais, óleos, ervas etc. Inicia-se uma nova ocupação da floresta. Forma-se assim uma economia um pouco mais diversificada, realmente florestal e uma sociedade cuja convivência com a floresta deixou de ser de conflito com os índios, de conquista, de colonização. Estabelece-se um padrão civilizatório com uma vertente indígena e uma vertente nordestina muito forte. Passa-se a ter a formação da consciência de um povo, noção de regionalidade e uma linguagem comum.

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